Eu tinha feito o meu melhor para explicar a um grupo da igreja a diferença entre servir e ter parcerias. Eu tinha descrito como que promover o desenvolvimento dos pobres exige uma estratégia inteiramente diferente dos métodos tradicionais de serviços que “fazer algo por” aqueles em necessidade. Expliquei que quando você faz para as pessoas o que elas têm a capacidade de fazer por si mesmas, na verdade você as enfraquece ao invés de fortalecê-las. Eu dei exemplos práticos de como emprestando e investindo, como compartilhando conhecimento tecnológico e conectando pessoas isoladas com novos mercados, permitiu vilas inteiras sairem da pobreza. Eu lhes disse que, se medimos os resultados reais ao invés de meramente medirmos as atividades, teríamos um respaldo muito melhor para a eficácia das nossas ação missionária.
Então houve um tempo de perguntas e respostas. “Entendo o que você está dizendo sobre o desenvolvimento social dos pobres”, veio a primeira reação, “mas como você envolve o Evangelho nisso?” Eu entendi a pergunta. Ele veio de uma premissa evangélica bem familiar que diz que a coisa mais amorosa que podemos fazer pelos pobres (por qualquer um) é compartilhar o Evangelho com eles. A alma é eterna, enquanto o corpo é apenas temporal. Salvação eterna, então, é a principal preocupação de Deus. Evangelismo, não tem a ver com desenvolvimento econômico nem deve ser a principal tarefa de missões. Certo?
Foi uma pergunta honesta, que merecia uma resposta fundamentada.
Quatro décadas vivendo entre pessoas marginalizadas ampliou minha compreensão inicial do Evangelho. A Boa Nova, eu passei a acreditar, é mais do que a salvação individual. Ela inclui a salvação pessoal, com certeza, mas também envolve a transformação de comunidades fragmentadas, de instituições injustas e de sistemas opressivos. O Evangelho é boa notícia para toda a criação, até mesmo para o meio ambiente. Tem a ver com “Shalom”, bem-estar, uma paz prevalecente.
Deve haver uma boa razão pela qual a Grande Comissão de “pregar o Evangelho a todas as nações” foi precedida pelo um mandamento (muito ignorado), um novo mandamento “amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” Este novo mandamento – Palavras de despedida de Cristo em sua última noite com os discípulos – seria a prova de sua divindade e, a identidade de seus seguidores. Sem essa demonstração visível de unidade e abnegação, a divindade de Cristo, bem como a autenticidade dos que afirmam segui-lo seria questionável. Isso é mais do que retórica. Desunidade na verdade descredibiliza o poder da mensagem. Eu vejo o Evangelho minado por evangelizadores agressivos que de fazem blitz nos bairros da cidades, coletando cartões de decisão, sem nunca se preocuparem em atender, mesmo reconhecer, os crentes que povoam estas mesmas ruas. Vejo jovens (muito ingênuos porém sinceros) que viajam para países pobres a fim de “levar os perdidos para Cristo” sem perceberem que pode ser que Deus já esteja agindo poderosamente entre o seu povo carente. Eu vejo como denominações estabelecem congregações competindo nas mesmas vilas, requerendo a lealdade de um membro através da desvalorização, ou mesmo “desevangelização”, feita por outros grupos de crentes. Evangelismo que não flui a partir do novo mandamento, pode, na verdade, contribuir mais para frustrar os propósitos do Reino do que para avançá-los.
Então qual foi a minha resposta para quem fez a pergunta? Primeiro passo: identificar os crentes – todos os crentes, não apenas aqueles da minha linha política ou ala teológica – e descobrir como Deus está trabalhando em suas vidas. O que eu provavelmente descobrirei é que o corpo de Cristo já está inserido na maioria das culturas, um tanto quebradas, talvez, porém claramente presente. Pentecostais julgando batistas, evangélicos descatequizando os católicos, os crentes divididos por linhas de falhas doutrinárias e políticas. Simplesmente plantar uma nova igreja os fragmentaria ainda mais. A melhor Boa Nova para uma sociedade quebrada é o Grande Mandamento (o amor a Deus e ao próximo) defendida por devotos sérios do novo mandamento (amai-vos uns aos outros). A Grande Comissão (proclamação) é um resultado previsível, um subproduto, não um fim em si mesmo. Ignorar os dois mandamentos fundamentais enquanto se tenta cumprir a Grande Comissão é como edificar casas sem alicerces.
Assim, o trabalho cristão de desenvolvimento comunitário começa onde as pessoas estão, sentindo suas necessidades, as questões de maior preocupação para toda a vila – como falta de água potável, por exemplo. Um poço pode ser uma necessidade real, mas poderia custar muito caro e dar muito trabalho. Implicaria mais do que meramente a perfuração de um buraco no solo. Um sistema de aquedutos adequado para servir 250 casas espalhadas por muitos alqueires precisaria de uma estação de bombeamento, uma torre de água, milhares de metros de tubulação. A comunidade deve decidir se esta é de fato sua principal prioridade. Se for, a sabedoria do desenvolvimento comunitário requererá que os residentes locais sejam os primeiros investidores com dinheiro, e não apenas de trabalho. Isso significa captação de recursos e contribuições familiares. Uma comissão de água deve ser formada para gerenciar tanto o fluxo de água quanto o fluxo de caixa. Uma equipe de gerência de projeto deve ser montado. Há trincheiras para cavar, tubos para serem colocados, materiais a serem armazenados e guardados, alimentos para serem prepararados. É um projeto que exige a participação de todas as famílias que desejam ter água fresca que flui para sua casa. E, claro, quase todo mundo deseja. No processo, os vizinhos dão as mãos superando as barreiras que os dividem, talvez por gerações. Os rótulos são postos de lado à medida que talentos necessários são identificados e postos em uso. Devotos crentes e vizinhos descrentes suam juntos no sol escaldante e descansam juntos sob a sombra das mangueiras. É um importante projeto de desenvolvimento comunitário que melhora consideravelmente a qualidade de vida da vila, e aumenta as habilidades e capacidades de liderança dos moradores. Porém é mais que isso. É um esforço pela unidade que aproxima os crentes desunidos em relação uns com os outros.
Foi exatamente o que aconteceu exatamente numa zona rural da Nicarágua. Quando os moradores observaram sua vizinha Anita, uma católica e membro professo do partido socialista sandinista, trabalhando em estreita colaboração com Don Blas, um idoso pastor batista e membro leal do partido conservador, ficaram impressionados. Dois crentes, ferrenhos adversários políticos, separados por teologias que viam um ao outro como herege, uniram-se para trazer água para a sua aldeia. Isso foi o suficiente para atiçar a curiosidade nas conversas entre a comunidade. Porém, quando os vizinhos viram a relação deles se aprofundar e troca de abraços e genuína afeição entre os dois, os corações se derreteram. “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos …” Quando os seguidores de Jesus põem de lado as diferenças, mesmo as mais arraigadas, e demonstram se importar com seus vizinhos (como com o fornecimento de água), tais comportamentos se tornam visíveis. “Pai, que eles sejam um para que o mundo saiba que tu me enviaste …” Quando os seguidores de Jesus não apenas deixam de defender preferências pessoais, mas as abandonam em prol do outro, um testemunho de impacto poderoso é desencadeado.
E assim para aquele que me perguntou “Como você levar o Evangelho a este tipo de trabalho?” Eu respondo: começando com os fundamentos. A Grande Comissão e o Novo Mandamento irão levá-lo onde você precisa ir. Como São Francisco de Assis disse: “Pregue o evangelho e use as palavras quando necessário.”
Bob é um cristão da área de desenvolvimento comunitário, um empreendedor que une recursos de comunidades com as necessidades das comunidades. Através FCS Urban Ministries – uma organização sem fins lucrativos fundada por ele – ele desenvolveu duas subdivisões de rendimento misto, organizou uma congregação multi-racial, começou uma série de negócios provendo habitações para centenas de famílias, e iniciou uma ampla gama de serviços humanos em sua comunidade.